Nov 9, 2023

TJ julga nesta quinta-feira (9) ação que pode derrubar Lei do Pantanal

COMPARTILHE:
Bovinos-e-tuiuiú-no-Pantanal-do-MS_Foto-de-Raquel-Brunelli

Nesta quinta-feira (9) o Tribunal de Justiça de Mato Grosso vai julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade na qual o Ministério Público Estadual pede a derrubada da lei que altera normas de proteção do Pantanal, a lei 11.861.

Habilitadas no processo como amicus curiae, as organizações da sociedade civil, Instituto Centro de Vida (ICV), Associação Sociocultural e Ambiental Fé e Vida e o Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental (Instituto Gaia Pantanal) contribuíram com elementos técnicos e jurídicos para auxiliar os desembargadores.

Essas entidades alertam que a lei, além de contrariar a Constituição Federal, fere também tratados internacionais firmados pelo Brasil para a proteção de áreas úmidas e suas biodiversidades. E afronta ainda o artigo 10 do Código Florestal que estabelece que os pantanais e planícies pantaneiras só podem ser explorados de forma sustentável, conforme recomendações técnicas expedidas por órgãos oficiais de pesquisa.

Destacam também que a legislação, que dentre outros pontos, libera a criação de gado em áreas protegidas no bioma, tramitou em regime acelerado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, sem estudos fundamentados e sem consulta às populações impactadas. 

No processo, o Governo de Mato Grosso, que é autor da proposta, defendeu a constitucionalidade alegando que a matéria foi suficientemente debatida com a sociedade civil e que as modificações normativas realizadas na lei nº 8.830/2008 – a lei anterior – foram elaboradas com base em estudos técnicos elaborados pela Embrapa Pantanal. Mas é de conhecimento público que a tramitação ocorreu por pouco mais de um mês até sua aprovação e publicação. Além disso, as organizações socioambientais alertam os desembargadores de que as principais recomendações da Embrapa foram simplesmente ignoradas.

A consultora jurídica do Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), Edilene Fernandes, rede na qual está inserido o Instituto Centro de Vida (ICV), relembra que diante da tramitação em regime de urgência, foi a pressão da sociedade civil que forçou a realização de ao menos uma audiência pública.

“Mas a presença de grandes fazendeiros e empresários do turismo se sobrepôs à representatividade de comunidades tradicionais, cujos representantes clamavam pela ampliação e descentralização do debate para além dos limites da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Os poucos que conseguiram se fazer presentes reclamaram a ausência de consulta pública”. Edilene ressalta ainda que foi inclusive nessa oportunidade que o pesquisador da Embrapa Walfrido Tomas apontou várias recomendações que constavam no estudo, mas que não foram acatadas pela lei. 

Para o professor e advogado Carlos Teodoro Irigaray da Irigaray Associados – Advocacia Ambiental, que representa as organizações da sociedade civil na ação, “o Estado falhou em inserir na Lei de Gestão do Pantanal alterações significativas sem qualquer respaldo científico, e o poder público não pode observar essa exigência legal, quando convier e tão somente na medida do possível, como afirmou o Estado em sua defesa.

Ele explica que não se pode ignorar o impacto ambiental das medidas aprovadas, para a conservação do Pantanal.  

“Ao reduzir em 50% as áreas de preservação permanente-APP no entorno de baías, lagos e lagoas e permitir o acesso e uso dessas áreas para a pecuária extensiva e restauração de pastagem, as APPs se transformam em ‘áreas de degradação permanente’, podendo ser submetidas ao pisoteio de gado e remoção de vegetação arbórea, o que é inadmissível numa área de uso restrito, como o Pantanal”.

As organizações questionam também a permissão do uso de gramíneas exóticas, além de enfatizarem que o Estado deixou de fora da lei algumas recomendações enfáticas feitas pela Embrapa, a exemplo da proibição de drenagens na planície pantaneira, e a limitação do número de bovinos em áreas sensíveis da planície pantaneira, entre outras.

Alertam também que atualmente já existem 1.246 drenos identificados pelo Ministério Público no Pantanal, totalizando cerca de 1.224 km abertos sem autorização do poder público. Como consequência do avanço do desmatamento e da drenagem que seca as áreas úmidas é previsível que os grandes incêndios continuarão acontecendo, e o Pantanal, como conhecemos, passe a existir apenas em fotos e filmes do passado. 

Entenda

O projeto de lei 561/22 passou a tramitar em junho de 2022 e no dia 4 de agosto, foi sancionada a lei nº 11.861/2023, alterando dispositivos da lei nº 8.830/2008 e modificadas diversas regras, de modo a permitir uma série de atividades econômicas incompatíveis com as características ecológicas do Pantanal.

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (processo nº 1017064-57.2022.8.11.000) perante o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso com o objetivo de que a citada seja declarada inconstitucional, e, por conseguinte tenha sua eficácia suspensa.

E em Mato Grosso, é a lei nº 8.830/2008 que estabelece diretrizes e regras sobre a gestão do Pantanal, proibindo determinadas atividades e indicando critérios para a utilização sustentável dos recursos aí compreendidos. Com a lei 11.861 se flexibiliza a proteção ambiental nessas áreas.

Mesmo com toda importância ecossistêmica, o Pantanal ainda carece de uma legislação federal que o proteja de forma adequada. O advogado Carlos Teodoro Irigaray explica que enquanto não for promulgada lei nacional que discipline a conservação do Pantanal, fica por conta dos poderes públicos de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul levar a efeito a proteção desse bioma no âmbito de seus respectivos territórios, tanto em termos legislativos, como através de políticas públicas.

Nesta quinta-feira (9) o futuro da proteção ambiental do Pantanal está nas mãos dos desembargadores.