Especialista avalia que o Portão do Inferno não suporta o retaludamento e as consequências podem ser catastróficas
Especialistas em geologia, moradores e empresários de Chapada dos Guimarães se reuniram, na tarde de quarta-feira (21.08), no auditório da Promotoria de Justiça do município para discutir os impactos socioambientais das obras de retaludamento no Portão de Inferno. O professor Auberto Siqueira, titular do departamento de Geologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), foi enfático ao classificar o retaludamento – proposta do governo do estado de cortar a rocha e nivelá-la à estrada – como a pior opção possível.
De acordo com o pesquisador, o retaludamento coloca em risco toda a formação rochosa que compõe os paredões de Chapada, acima do local da obra. “Essa obra vai dar origem a uma voçoroca gigantesca. É inevitável. E a receptora dos detritos dessa voçoroca é a rede de drenagem do Portão do Inferno, atingindo diretamente o rio Coxipó”, comentou.
Ele fez uma analogia com a medicina para melhor ilustrar. Antes de a equipe médica decidir qual será o procedimento cirúrgico adequado, deve-se avaliar se o paciente tem condições de passar por uma cirurgia. O Portão do Inferno, o paciente em questão, não suportaria uma cirurgia (retaludamento) porque seu organismo (formação geológica) é muito frágil.
Além da vulnerabilidade característica da formação rochosa em questão (Botucatu), o professor ainda apontou três linhas de fraqueza estruturais na região dos paredões e explicou que o retaludamento seria feito entre duas delas, criando uma área de risco. “São três linhas de fraquezas estruturais que se interligariam se a primeira delas, situada próximo da estrada, entrar em colapso. Isso geraria um efeito dominó levando ao colapso de todo morro acima do Portão do Inferno”.
Ele ainda apontou uma grave incongruência por parte da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra-MT), que utilizou como exemplo para o Portão do Inferno a imagem de uma obra de retaludamento feita em outra formação rochosa, no caso na Serra da Rocinha-SC, esta sim capaz de suportar tal procedimento arquitetônico.
A análise do professor considera todo o maciço (termo geológico para se referir a uma massa rochosa ou a um grupo de formações rochosas conectadas), e não só o local específico da obra, foco dos estudos apresentados até então. O que sustenta os paredões, conforme explicou Siqueira, é uma fina película de óxido de ferro que une os grãos de areia da formação Botucatu. E essa película, formada graças a uma oxidação que ocorre há milhares de anos, pode ser removida pela execução da obra, deixando todo o paredão ainda mais vulnerável.
Além de afirmar que a formação rochosa não suporta a obra proposta, o professor questiona a transparência do governo de Mato Grosso em relação ao levantamento de dados essenciais para fundamentar essa tomada de decisão, no caso o resultado das sondagens geotécnicas e dos ensaios de resistência, que servem justamente para apontar as condições físicas do maciço. “Essas medidas são protocolares, desenvolvidas por normas rigorosas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Nenhuma obra, pública ou privada, pode ser realizada sem essas sondagens e ensaios”.
Nessa linha, no dia 7 de agosto, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ibama que prestasse esclarecimentos detalhados sobre todos os projetos alternativos apresentados pela Sinfra/MT, afinal o Ibama foi órgão que, optando por um licenciamento simplificado, autorizou o governo de Mato Grosso a realizar o retaludamento. Este pedido do MPF pretende “verificar se o retaludamento da rocha seria, de fato, a obra mais adequada (sob o ponto de vista técnico, ambiental, econômico, da segurança, dentre outros) para o caso concreto, em detrimento às demais propostas”, diz a recomendação.
Embora a decisão pelo retaludamento seja defendida pelo governo de Mato Grosso como a “solução definitiva” para a segurança daquele trecho da MT-251, o professor acredita que a responsabilização por eventuais consequências não cairá sobre o chefe do executivo. “Quem vai responder pelo estrago não será o governador. Os técnicos que assinaram a licença [da obra] é que serão responsabilizados”. Ele também chamou a atenção para o sítio arqueológico que se encontra sobre uma das linhas de ruptura identificadas em sua análise. Caso a obra saia do papel, “esse sítio também está marcado para a destruição”, sentenciou.
Não bastassem as características geológicas dos paredões serem incompatíveis com o retaludamento, a própria ideia de nivelar a rocha à estrada viola prerrogativas básicas do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, que, dentre outros objetivos, está o de conservar a paisagem natural e proteger sítios arqueológicos presentes no território. “Cortar um pedaço da escarpa, justamente num dos locais mais icônicos desse parque, vem a ser o que?”, questiona Siqueira.
O mais adequado, de acordo com o professor, seria buscar soluções que minimizem os riscos ao invés de acentuá-los. “Eles deveriam se perguntar se o mal que querem evitar é maior do que o mal que podem criar”. Nesse sentido, ele considera que o retaludamento e o túnel são inviáveis. A melhor solução seria um viaduto. “Não seria necessário isolar Chapada, porque seria possível tocar a obra sem impedir o trânsito. É mais sustentável, seria possivelmente um novo atrativo turístico e o Estado tem recursos financeiros para isso”, concluiu.