Apr 4, 2023

Estudo inédito revela impactos de usina hidrelétrica prevista para a região de Juara

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Foto de capa: Ponte sobre o rio Arinos – Rodolfo Perdigão/Secom-MT

Por Operação Amazônia Nativa

A Usina Hidrelétrica de Castanheira está prevista para ser construída a aproximadamente 120 km da foz do rio Arinos, no município de Juara, região noroeste de Mato Grosso. O empreendimento é uma das prioridades do Programa de Parcerias e Incentivos (PPI), do Governo Federal, e está na fase de licenciamento ambiental, porém um estudo inédito revela inconsistências conceituais e metodológicas durante o processo de planejamento e licenciamento da usina.

Intitulado “Análise da avaliação de impactos cumulativos no processo de planejamento e licenciamento da UHE Castanheira”, o laudo técnico foi apresentado em primeira mão à Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), em reunião que contou com a presença das pesquisadoras responsáveis pela elaboração do material e de representantes de comunidades que podem ser afetadas pelo empreendimento.

De autoria de Simone Athayde, Renata Utsunomiya e pesquisadores associados, o estudo foi publicado no site da Operação Amazônia Nativa (OPAN),organização que compõe a rede Observa-MT.  Ao longo de suas 144 páginas, o documento constata a inviabilidade do projeto a partir de uma uma série de impactos socioecológicos que seriam provocados durante e após a construção da usina.

A UHE Castanheira está inserida na bacia do rio Juruena, onde está em curso a implementação de um complexo de usinas. Entre  Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Usinas Hidrelétricas (UHE), são mais de cem projetos previstos para a região, sem contar os que já estão em operação.

Segundo o estudo, esta inter-relação entre os empreendimentos foi desconsiderada durante o processo de planejamento e licenciamento da UHE Castanheira. “As análises realizadas registram a precariedade do conhecimento sobre os impactos cumulativos (aditivos, sinérgicos e outros). Constatou-se uma série de inconsistências conceituais e metodológicas, incluindo definições problemáticas, desatualizadas e incoerentes entre si”, diz trecho da publicação.

Segundo o laudo, dentre todos os empreendimentos hidrelétricos planejados ou em operação na bacia, a UHE Castanheira é a que mais afeta a conectividade fluvial, uma vez que o projeto está localizado próxima à foz do rio, bloqueando todo seu canal principal (cerca de 600 km). Vale pontuar que a sub-bacia do rio Arinos é a região com a maior diversidade de espécies de peixes catalogadas na bacia do Juruena. “O barramento causará uma perda significativa da conectividade hidrológica na bacia, colocando em ameaça a existência de pelo menos 97 espécies de peixes migratórios”, complementa.

A quebra da conectividade entre os rios também representa uma ameaça à reprodução física e cultural dos povos indígenas que habitam a região (Apiaká, Kayabi, Munduruku, Rikbaktsa, Tapayuna e isolados). Além da redução de peixes, que colocaria em risco a soberania alimentar de vários povos, o projeto pode causar impactos culturais igualmente irreversíveis ou impossíveis de serem quantificados ou mitigados.

Impactos culturais

Povo Rikbaktsa confecciona o tutãra a partir de conchas de molusco encontrado no rio Arinos (Foto: Adriano Gambarini/OPAN)
Povo Rikbaktsa confecciona o tutãra a partir de conchas de molusco encontrado no rio Arinos (Foto: Adriano Gambarini/OPAN)

Um exemplo específico diz respeito ao povo Rikbaktsa. Durante rituais de casamento, as mulheres usam um colar confeccionado a partir de pequenas conchas. Tutãra, como é chamada a peça, também é o nome do bivalve responsável pela matéria prima muito singular, afinal tal espécie de molusco só é encontrada no baixo curso do Arinos. Caso a UHE seja construída, o Paxyodon syrmatophorus, nome científico do tutãra, deve desaparecer, assim como a sofisticada peça indumentária homônima, considerada patrimônio ecológico, histórico, paisagístico, artístico e arqueológico.

Além dos aspectos ambientais, sociais e culturais, o estudo aponta a inviabilidade econômica do empreendimento, atestada por uma análise de custo-benefício realizada pela Conservation Strategy Fund (CSF). “A UHE Castanheira poderia gerar um prejuízo de aproximadamente R$ 408 milhões aos investidores. Acrescentando-se os custos dos impactos negativos (emissões de gases de efeito estufa, perda econômica gerada pela inundação de áreas produtivas e diminuição da renda de pescadores), foi calculada uma perda potencial de aproximadamente R$ 589 milhões.”

O documento ainda destaca a necessidade de haver uma maior articulação entre os estudos que subsidiam o planejamento e o licenciamento do empreendimento. Como exemplo, cita que questões levantadas na Avaliação Ambiental Integrada (AAI) e no Estudo do Componente Indígena (ECI) não foram consideradas no  Estudo de Impacto Ambiental (EIA). “Percebe-se que os temas continuam a ser tratados de forma fragmentada, faltando a indicação de pesquisas que possibilitem o entendimento da interação entre fatores”, pontua.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), instituição pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, é a agência responsável pelos estudos de impacto ambiental. A condução do processo de licenciamento da usina é de responsabilidade da SEMA-MT. A EPE contratou os serviços do consórcio Habtec Mott MacDonald – Novaterra para a realização do EIA.

As pesquisadoras propõem a realização de novos estudos mais aprofundados sobre os possíveis impactos cumulativos, sempre levando em conta, no início do processo, o conhecimento indígena e local, com o devido processo de consulta às populações. Por fim, diante da inviabilidade técnica do empreendimento, recomendam considerar outras opções de geração de energia (descentralizada, solar, eólica ou aumentar a eficiência energética).

Detalhes sobre o projeto e a bacia hidrográfica

O projeto da UHE Castanheira prevê o alagamento de uma área de 94,7 km², equivalente a quase 9,5 mil campos de futebol. Prevista para gerar 140 MW, a usina entregaria 98 MW de energia firme. O custo do empreendimento é estimado em mais de R$ 15 milhões.  Além de ser um dos empreendimentos prioritários do PPI, a UHE Castanheira também está prevista no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Plano Decenal de Energia 2030. A data estimada de entrada em operação, caso o projeto prossiga, é 2028.

A bacia do Juruena é a mais extensa do estado, drenando mais de 19 milhões de hectares em uma área que abrange 29 municípios. Concentra 23 terras indígenas, que ocupam cerca de 27% de sua área total. A diversidade étnica da região tem uma significância especial, uma vez que abriga 12 dos 43 povos indígenas de Mato Grosso.

Foto de capa: Ponte sobre o rio Arinos – Rodolfo Perdigão/Secom-MT