jul 1, 2024

Em MT, mulher indígena dá aula de consciência ecológica a desmatadores

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Alguns dos maiores desmatadores do Brasil têm sido obrigados a voltar à sala de aula para aprender refletir sobre danos ambientais que causaram

E se alguns dos autores dos maiores desmatamentos já registrados em Mato Grosso fossem obrigados a sentar em uma sala de aula para aprender sobre consciência ambiental e frequentar grupos para refletir sobre os danos ambientais que causaram? Essas são metodologias utilizadas de forma pioneira pelas Promotorias de Justiça de Itiquira e São Félix do Araguaia, no interior de Mato Grosso, dentro do projeto Terra Nascente. No quinto encontro, é a presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo, quem ensina sobre consciência ecológica. 

A próxima edição do projeto ocorre nesta segunda-feira (1º), às 18h30 (MT), via plataforma Microsoft Teams. Com o tema “Olhar ancestral: Repensando nossa relação com a natureza”, as palestras são abertas à participação de formuladores de políticas públicas, produtores rurais e cidadãos em geral, que estejam interessados na conciliação de produção e sustentabilidade, com observância da legislação ambiental e da responsabilidade socioambiental. As inscrições podem ser realizadas via formulário online: https://bit.ly/inscricoes-sustentabilidade.  

Eliane espera alertá-los que a degradação pode ter efeito reverso. “Tomando como ponto de partida a relação harmônica que nós indígenas mantemos com a mãe Terra, vou reforçar que o futuro deles depende disso, da preservação dos biomas. A derrubada de florestas prejudica não só o bem-estar deles, como também compromete a produtividade que tanto almejam. Que precisam olhar a natureza não como um alvo a ser eliminado, mas como parte do todo”, defende a liderança indígena, Eliane Xunakalo. 

Em edições anteriores da série de seminários da qual os “reeducandos ambientais” tiveram que participar, também foi “professor”, o ambientalista Roberto Kablin, que é fundador da SOS Pantanal e SOS Mata Atlântica, além do Refúgio Ecológico Caiman, um espaço de ecoturismo e conservação no Pantanal. Aos reeducandos que celebraram acordos de não persecução penal com o Ministério Público, ministrou a palestra “Pantanal Sustentável: Estância Caiman e RPPN Dona Aracy, um modelo de integração pecuária, turismo e conservação”.

Entre os “alunos” estava o fazendeiro Édio Nogueira, que ganhou a alcunha “campeão do desmatamento”, por ser quem mais desmatou a Floresta Amazônica em 2020. O curso de conscientização ecológica  reeducação é parte de um acordo com o MP, no âmbito de uma Ação Civil Pública movida contra o fazendeiro. 

Outro participante foi o fazendeiro José Francisco de Moraes, acusado por desmatar 1.446 hectares de vegetação nativa no Pantanal. 

Requisito processual 

O promotor de Justiça Claudio Angelo Correa Gonzaga, um dos promotores responsáveis pelos acordos, explica que a participação nos seminários e grupos reflexivos é requisito em todos esses processos. Mas ainda há a obrigatoriedade de reparação civil dos danos ambientais, em todos os casos e outras condições, como a prestação pecuniária, que em alguns casos pode chegar a 200 salários mínimos, entre outras medidas.

Tanto Édio quanto José, tiveram de doar áreas para criação de unidades de conservação. Enquanto Édio teve que doar 10 mil hectares para a criação do segundo maior parque natural municipal do Pantanal, em Itiquira (MT), além de reformar uma escola pública no Pantanal, José também terá que doar áreas no mesmo município, a fim de criar duas novas unidades áreas protegidas. 

Gonzaga avalia que a metodologia da participação em grupos reflexivos, inspirada por técnicas usadas com homens que praticam violência doméstica, pode render frutos. Segundo o promotor, a pessoa que aceita a proposta se abre para uma jornada de diálogos e reflexões que pode ampliar seus horizontes quanto às consequências ecológicas de suas ações. E assim, são estimulados a pensar sobre a relação entre a produção e a natureza, contando com a colaboração de alguns dos maiores líderes brasileiros em sustentabilidade, por meio dos Seminários de Consciência & Sustentabilidade. 

“A reiteração é a regra nesse tipo de infração penal. Se conseguirmos fazer com que uma fração dos participantes reflitam suas práticas e passe a observar a legislação ambiental brasileira, já será uma grande vitória. Somos inspirados pela filosofia de que ‘você não pode mudar a cabeça de quem não quer mudar; mas nunca subestime o poder de uma semente plantada’”.

Avanço frente a retrocessos

A consultora jurídica do Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), Edilene Fernandes do Amaral, que tem acompanhado a série de encontros, celebra o projeto e em especial, a participação de Eliane Xunakalo, que é presidente da entidade que integra a rede do observatório. 

Para ela, a medida se configura como um avanço significativo em um contexto de retrocessos com frequentes leis e atos normativos que visam deixar mais brandas as punições pelas lesões ambientais, além de inúmeras flexibilizações promovidas até mesmo pelo próprio órgão Ministerial. Ela observa que os mutirões de “conciliação” realizam acordos que concedem inúmeros benefícios a infratores em detrimento de uma efetiva reparação de danos e de mudanças no comportamento desses indivíduos/empresários.

“Iniciativas como esta nos dão esperança, enquanto sociedade civil, de que há possibilidade de (re)pensar o futuro de forma sustentável, com conscientização e com uma produção que respeite o meio onde ela se encontra e com ela se contra. O lucro pelo lucro já demonstra desequilíbrios ambientais e agravamento da crise climática, mas quem paga a conta é quem está na ponta dessa relação, a população que não impôs esse modelo ambicioso e desenfreado de produção. As Promotorias de Itiquira e São Félix do Araguaia nos dão mais um bom exemplo de responsabilização ambiental”.

Dois eixos

O promotor de Justiça explica que são dois os eixos do projeto. “O primeiro, é o desenvolvimento de metodologias e arranjos para incentivar o uso de excedentes de vegetação nativa como ativos para compensação ecológica de danos ambientais, privilegiando a conservação de áreas de vegetação nativa topograficamente desprotegidas, isto é, fora de área de reserva legal ou área de preservação permanente”. 

Segundo ele, essa é uma medida de mitigação às mudanças climáticas, “já que pode contribuir para reduzir em alguma medida o lançamento das 18 bilhões de toneladas de CO2 armazenadas em áreas de vegetação nativa sem proteção topográfica específica”. Essa prática resultou na proteção, definitiva ou em fase de regularização, de cerca de 12.380 hectares em Itiquira nos últimos anos”.

É então que no segundo eixo é trabalhada a conscientização para preservação ambiental como condição equivalente à pena restritiva de direitos atípica para pessoas que celebraram acordo de não persecução penal (ANPP) ou aceitaram proposta de transação penal (TP) com o Ministério Público, em decorrência da prática, em tese, de crimes ambientais (aliada a outras condições, como a prestação pecuniária).

“A conscientização ambiental se dá com o emprego de metodologia que combina a participação em grupos reflexivos, adaptados para o contexto dos crimes ambientais, e a participação nos Seminários de Sustentabilidade, com a elaboração de um projeto de vida, que pode ser, inclusive, lidar com a criação de uma RPPN”.

Seminários incluem público externo

Resultado da parceria entre o Ministério Público de Mato Grosso, Poder Judiciário e Universidade Federal de Rondonópolis, os seminários do Terra Nascente são abertos à participação popular. “Dada a importância e o valor das ideias transmitidas nos seminários, resolvemos abrir a participação para multiplicadores interessados em difundir as ideias e práticas abordadas nos seminários”.

Já na esfera do Judiciário, o promotor diz que a formação em conscientização ecológica está aberta a outros promotores e juízes com atuação na Amazônia Legal. “Eles também podem solicitar que pessoas em cumprimento de penas por crimes contra a flora participem da formação em conscientização ecológica, pois todas as atividades são online”. 

Serviço:

Seminários Consciência & Sustentabilidade

1º de julho, às 18h30Inscrições via plataforma Microsoft Teams: https://bit.ly/inscricoes-sustentabilidade

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