jul 23, 2024

Artigo: Portão do Inferno, um risco para o país

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Sinfra-MT

Andreia Fanzeres*

O Ibama concedeu licença para que o estado de Mato Grosso derrube parte do paredão do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, na região conhecida como Portão do Inferno. A autorização para as obras foi celebrada como uma vitória contra os órgãos federais de meio ambiente, depois de tentativas de estadualizar a unidade de conservação e abocanhar, sem sucesso, os serviços de concessão no parque.

A licença de instalação coloca em risco esta e as outras unidades de conservação do país ao permitir uma intervenção deste porte deixando de lado etapas essenciais do licenciamento ambiental. Ela permite a retirada do morro que margeia a MT-251 que liga a capital Cuiabá ao principal destino turístico de Mato Grosso, Chapada dos Guimarães. Segundo as informações fornecidas ao ICMBio no processo, as obras causarão a interrupção total do tráfego no interior do parque nacional das 7h30 às 16h30, de segunda à sexta, por pelo menos 4 meses.

A medida foi motivada pelo desprendimento de rochas sobre a via em episódios pontuais no final do ano passado. Em abril, o governo do estado já havia contratado sem licitação a empresa Lotufo Engenharia, ligada ao ex-secretário da casa civil, Mauro Carvalho Junior, ao custo de R$ 29 milhões para fazer as obras sem demonstrar tecnicamente se isso é realmente melhor para o meio ambiente. Não houve análise de alternativas locacionais. E os estudos que o governo de Mauro Mendes (União) apresentou não seguiram sequer um termo de referência do órgão licenciador. Foi goela abaixo.

Um parecer técnico do ICMBio, responsável pela administração da unidade de conservação, elenca implicações gravíssimas à sociedade e ao parque, que justificariam muito mais atenção e rigor antes da expedição de qualquer autorização. O documento considera que as obras de retaludamento propostas podem inviabilizar o funcionamento do parque nacional, impactando as atividades cotidianas de gestão e impedindo também o acesso de visitantes e operadores de turismo ao isolar o município de Chapada dos Guimarães. Com a estrada fechada, a população terá dificuldades para utilizar serviços públicos essenciais, como saúde, educação, segurança pública e emergências. Outros efeitos analisados são o risco elevado de contaminação por produtos derivados de petróleo no lençol freático, mudanças na drenagem superficial, risco às espécies locais e ao abastecimento humano.

O perigo de desmoronamento por uso de explosivos e de equipamentos e máquinas pesadas traz alto potencial para a queda de blocos que formam o painel de gravuras do Sítio Arqueológico Portão do Inferno, com datações de mais de 5 mil anos. A proteção desses sítios é um dos objetivos de criação da unidade de conservação.

A opção do Ibama em proceder ao licenciamento simplificado é flagrantemente um recuo frente às pressões políticas do governador Mauro Mendes, que há 7 meses impõe controle da Polícia Militar ao tráfego na estrada que atravessa o parque nacional de forma arbitrária, sem discussão com a sociedade afetada. O decreto de situação de emergência do estado, estrategicamente vigente agora, esquece[1]se que o risco geológico já era conhecido e negligenciado há décadas.

Abrir mão de estudos ambientais completos, audiências públicas com a sociedade, e, principalmente, análise de alternativas locacionais e construtivas que sejam menos impactantes ao parque nacional, à comunidade e à economia local representam uma escolha que precisa ser revista ante a fragilização do já ameaçado licenciamento ambiental no Brasil.

* Andreia Fanzeres é membro do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) e do Observatório Socioambiental
de Mato Grosso (ObservaMT)

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