A prática de flexibilizar as regras de proteção ambiental em Mato Grosso, que Executivo e Legislativo têm adotado, foi tema de painel do Especial de Domingo da GloboNews neste domingo (18). Representando a sociedade civil no debate, a consultora jurídica do Observatório Socioambiental de Mato Grosso, Edilene Fernandes realçou inconstitucionalidades e irregularidades em leis e atos normativos que atualmente são questionados na Justiça.
Sobre a lei 788/24, que libera mineração em área de Reserva Legal, Edilene destacou que Mato Grosso registra déficit de áreas de compensação previstas pelo Código Florestal, em relação aos desmatamentos realizados até 2008 e criticou a omissão de informações.
“Não temos hoje ainda divulgado pela Secretaria do Estado uma nota ou um estudo específico que garanta que Mato Grosso tenha área para compensar o que há em débito, ainda mais para a mineração”.
Segundo a consultora jurídica, o Código Florestal veda a possibilidade de se compensar as Reservas Legais.
“Então, se usa a palavra realocação, mas na prática, o que você tem é compensação, um desmatamento atual. Você joga essa área para outra propriedade, mas segundo pesquisadores da própria Secretaria de Meio Ambiente, Mato Grosso tem 5 milhões de hectares já em déficit, e sequer tem um plano já estabelecido de reflorestamento”.
Dessa forma, destaca que em relação a proposta legislativa anterior, que inclusive foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a natureza jurídica contestada continua a mesma. Ainda que tenha sido proposta ampliar a área para 10% em relação à original e que ela esteja no mesmo bioma, não há dados de que Mato Grosso possui essas áreas para compensação.
Já sobre a lei 12.197/22, Edilene destacou que esta passa a permitir o acesso do gado a áreas de Preservação Permanente e também, de Reserva Legal, liberando ainda a conversão de gramíneas em até 40% da área. “Além de permitir uma série de empreendimentos – os quais não ficaram muito evidentes sobre quais são – com licenciamentos mais flexíveis dentro do Pantanal”.
O promotor de Justiça Marcelo Vacchiano, que também participou do painel, apontou que o Ministério Público percebe que a lei poderia ter uma preocupação maior com o Pantanal. “O que não acontece”. Ele elencou como ameaças atuais, as queimadas, invasão de espécies exóticas, fragmentação de paisagem e perdas de biodiversidade. “Poluição por efluentes, lixo, erosão, a soja que está entrando no Pantanal e ameaçando suas nascentes, agrotóxicos, mineração de ouro, barragens. Estamos sem água e os proprietários começam a segurá-la”, ao citar os drenos.
“São situações que a lei não enfrentou. Houve um retrocesso na legislação para se adequar ao Código Florestal, que é um pouco mais permissivo”.
Ainda sob a perspectiva dos drenos, o apresentador Erick Bang citou a resolução 45 de 31 de agosto de 2022, que liberou drenagem em áreas úmidas e vem sendo questionado via Ação Civil Pública, encabeçada pelo Ministério Público.
Edilene destacou que é preocupante o risco a áreas úmidas também em outras regiões do estado, caso do Pantanal do Guaporé e do Araguaia, como popularmente são chamadas essas grandes planícies alagáveis do Estado.
“Essas áreas, apesar de não ter uma legislação específica, têm uma proteção dentro do Código Florestal. E nem foi uma medida de lei, foi por uma resolução”. Ao citar fala da secretária de Meio Ambiente, Mauren Lazzareti, que também participou da entrevista, Edilene reagiu, dizendo que “essa ampla discussão com a sociedade”, que a representante do Governo de Mato Grosso disse ter, na verdade “não tem acontecido”.
Segundo Edilene, nem nos processos na Assembleia Legislativa, nem nas regulamentações que o Estado têm apresentado. “Então, você dialoga com um setor específico da produção”. Ela destaca que a base científica fica a desejar.
“No caso da lei do Pantanal, tem o estudo da Embrapa, mas temos uma série de instituições de pesquisa com anos de pesquisa no Pantanal que não foram ouvidas. As leis chegam de uma hora para a outra na Assembleia e normalmente, passam com dispensa de pauta, sem audiência pública ou com audiência só depois da primeira votação”. Há que se ressaltar, o Brasil, por ser signatário da convenção internacional de Ramsar, possui um Comitê Nacional de Zonas Úmidas, que também não foi ouvido.
A consultora jurídica destaca que ainda que se fale em excesso de ativismo judicial, “dentro de Mato Grosso tem sido a ferramenta para que possamos levar, pelo menos para dentro do processo judicial, a voz da sociedade e da ciência”.
E o promotor Marcelo Vacchiano destacou que o MP sempre se opôs à resolução. Ele destacou que os drenos são valetas para rebaixar o lençol freático e que promovem perda de superfície de água, consequentemente, do agravamento da crise climática. “Com relação a essa lei, o que nós temos é que a pessoa quer ampliar o local para ter gado, essa água vai ser drenada, vai haver fragmentação de paisagens”. Destacou ainda que a prática traz danos irreversíveis ao solo, perda de fauna e flora que estão adaptados ao lugar. “E com menor quantidade de água superficial, tem menos evapotranspiração, menos chuvas, aumento de temperatura”. E arrematou: “Vai deixar de ser área úmida. São problemas que vimos e estamos discutindo judicialmente”.
“Temos a planície alagada e temos o planalto. As águas do Pantanal vêm daí e lá tem soja. Muita soja e muito agrotóxico. Mato Grosso é o campeão de agrotóxico no Brasil. Estudos recentes da UFMT identificaram nas comunidades tradicionais, que não foram ouvidas para essas normas, agrotóxicos no sangue, na água, rio da região de Mirassol, Cáceres e outras localidades que detectaram agrotóxico no rio. E as comunidades tradicionais que utilizam esses recursos naturais.