Invasão de competência privativa da União, redução do grau de proteção ambiental, inviabilização da criação de Unidades de Conservação, fragilização da Política Estadual de Meio Ambiente e tramitação sem participação popular e debate público são só algumas das ilegalidades do Projeto de Emenda à Constituição (PEC 12/2022). A proposta, apresentada pelo Governo de Mato Grosso no final do ano passado, corre a passos largos na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), chegando a quase ser votada em sessão na última quarta-feira (11). Na tentativa de barrar o projeto, entidades socioambientais protocolaram hoje (16) uma nota jurídica fundamentando as diversas ilegalidades do texto, com o pedido de rejeição à proposta.
O documento é assinado pelo Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) e Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT). Juntas, as entidades representam mais de 30 organizações socioambientais do estado, e acompanham desde o final do ano passado mais uma tentativa de ataque ambiental em Mato Grosso, como a PEC 12/2022, a que apontam como “grave fragilização da Política Estadual de Meio Ambiente no que diz respeito às Unidades de Conservação”. A proposta prevê mudanças nas regras para a criação de UCs, com explícitas violações legais à Constituição Federal.
As referidas violações são apresentadas pela nota jurídica que foi protocolada nesta segunda-feira (16) junto à Presidência da ALMT, à Comissão de Constituição e Justiça, Procuradoria Geral e também encaminhada a todos os deputados estaduais. De forma simplificada, o projeto do Governo: 1) propõe dois novos requisitos para a criação de Unidades de Conservação em Mato Grosso, quais sejam, dotação orçamentária para indenização dos proprietários e regularização de 80% das Unidades existentes; 2) estabelece a regularização fundiária como prioritária no âmbito das Unidades de Conservação, pelo tempo em que não forem preenchidos os dois novos requisitos para a criação de novas Unidades de Conservação; 3) aumenta para 10 (dez) anos o prazo do Estado para a implementação das Unidades de Conservação estaduais já existentes.
No entanto, os argumentos utilizados para justificar a proposta são ilegais, é o que aponta a nota jurídica do Formad e do Observa-MT. “Destaca-se que a PEC n° 12/2022 apresentada à Assembleia Legislativa de Mato Grosso utiliza-se de um discurso que induz ao erro, na medida em que, por meio de uma retórica de proteção ambiental, deixa oculta tanto a constrição que faz à proteção ambiental quanto o real objetivo de priorizar direitos patrimoniais privados”, diz um trecho da nota.
Em outro ponto, o documento cita uma invocação da PEC ao artigo 225, inciso III, da Constituição, cuja alteração legislativa proposta não é prevista. “Existe previsão legal ao Poder Público para definir quais são os espaços a serem especialmente protegidos, mas não para constringir e limitar a criação desses espaços ecologicamente especiais. (…) A PEC n° 12/2022 busca uma alteração legislativa que, com efeito, é menos protetiva do que a Constituição Federal da República. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais, mas desde que sejam mais protetivas, o que não é o caso”, alertam as entidades.
Sobre a jurisprudência estadual para a criação de UCs, a nota argumenta que “a PEC 12/2022 propõe norma de natureza geral ao postular dois novos requisitos – não previstos na legislação federal e redutora do grau de proteção ambiental -, para a criação de Unidades de Conservação estaduais. Desse modo, evidentemente a proposta legislativa causa interferência na competência privativa da União para legislar sobre os requisitos de criação de Unidades de Conservação, já havendo norma federal sobre o assunto”.
Falta de gestão estadual também é apontada
Na mensagem 172/2022, assinada pelo governador Mauro Mendes aos deputados estaduais, como fundamento à PEC 12/2022, a falta de gestão estadual no que diz respeito às Unidades de Conservação é praticamente assumida. Nos últimos 30 anos foram criadas 19 UCs, que somam mais de 1,6 milhões de hectares, mas somente 7,3% dos territórios estão regularizados. A situação, diz a mensagem, “tem induzido uma falsa proteção ao meio ambiente regional”. Para além disso, o texto acrescenta que “o Estado não pode mais tolerar a situação atual, sem muito menos permitir que novas unidades de conservação continuem sendo criadas sem a previsão dos recursos necessários para a sua efetiva implantação”.
Acontece que, segundo a nota jurídica do Formad e do Observa-MT, “as últimas Unidades de Conservação criadas por iniciativa do Estado de Mato Grosso foram a APA das Nascentes do Rio Paraguai e o Monumento Natural do Morro de Santo Antônio, ambas criadas em 2006, há mais de 15 anos. À vista disso, o argumento da PEC n° 12/2022 no sentido de que Unidades de Conservação estariam sendo criadas de maneira indiscriminada não encontra respaldo fático”.
O documento aponta ainda a ingerência do estado tanto na questão da regularização fundiária quanto na determinação legal de destinação dos recursos de compensação ambiental, além de considerar a ausência de transparência em relação à destinação destes recursos. “Inclusive, a PEC em questão não está subsidiada por nenhum estudo técnico que demonstre a impossibilidade de regularização das Unidades de Conservação já existentes em Mato Grosso, além de ser omissa em relação à proibição de indenização das áreas que não tenham prova de domínio inequívoco e anterior à criação da Unidade (art. 45, inciso VI, Lei n° 9.985/2000).”
Ainda sobre a gestão estadual, a PEC coloca a dotação orçamentária como requisito para a indenização aos proprietários afetados e criação de UCs, o que é inconstitucional, uma vez que a Constituição estabelece a não obrigatoriedade nestes casos. “A PEC 12/2002, ao condicionar a criação de Unidade de Conservação no Estado de Mato Grosso à previsão orçamentária para satisfazer indenizações e à regularização de 80% das Unidades de Conservação existentes no estado federado, incorre em inequívoca inconstitucionalidade. Também pelo fato de invadir a competência privativa da União para legislar sobre regra de natureza geral (art. 24, § 1°, da CF) e, além disso, sobre regra cuja matéria já se encontra regulamentada no âmbito federal.”
Tramitação acelerada ignorou ilegalidades
Apresentada em 6 de dezembro de 2022, a PEC 12/2022 já chegou à Comissão de Constituição de Justiça da ALMT após o prazo regimental de 10 sessões da Casa, diga-se de passagem, de forma bastante acelerada. A proposta teve parecer favorável assinado pelo relator da comissão, deputado Dilmar Dal Bosco (União), e quase foi votada na última quarta-feira (11), não fosse pelo pedido de vista puxado pelo deputado Lúdio Cabral (PT) e compartilhado com outros três parlamentares.
A proposta, que na verdade inviabiliza a criação de UCs em Mato Grosso, nem chegou a ser discutida pelos deputados, muito menos com a população, configurando outra ilegalidade. “Vale ressaltar, ainda, que além da latente inconstitucionalidade formal (usurpação de competência da União ao criar regra de caráter geral) e material (uma vez que diminui a proteção ecológica que é constitucionalmente prevista como dever do Poder Público), a tramitação da PEC n° 12/2022 está sendo feita sem qualquer participação popular e debate público”, cita a nota jurídica do Formad e do Observa-MT.
Diante da situação e elencando juridicamente os 10 pontos de violações legais da PEC, as entidades solicitam a rejeição integral do projeto como forma de evitar a redução do grau de proteção ambiental no estado.
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Foto: Fablício Rodrigues/ALMT